Mensagens populares

sábado, janeiro 27, 2007

MAIS UM CONTRIBUTO PELO "NÃO"

A"questão do aborto" em Portugal é uma história já adulta. Há mais de 20 anos, quando
alguns dos actuais eleitores não eram sequer nascidos, a discussão centrava-se à volta do
início da vida humana. Por um lado, os pró-vida argumentavam que esta começava no
princípio, na concepção. Por outro lado, os pró-escolha defendiam que ninguém sabia
quando começava a vida humana, e um "conjunto de células" nas primeiras semanas de
gravidez não o era certamente. Os dados científicos eram escassos e havia um grande
desconhecimento sobre o desenvolvimento do feto.
Há oito anos o primeiro referendo sobre a IVG (interrupção voluntária da gravidez em
PPC, português politicamente correcto) mostrou uma clivagem entre a opinião pública e
a publicada: teve uma abstenção superior a 70 por cento e o "não" ganhou.
Nos últimos oito anos assistimos a várias tentativas de colocar a questão do aborto na
agenda política. O "flagelo do aborto clandestino" foi considerado argumento principal,
apesar de os escassos e incompletos dados oficiais mostrarem um número reduzido de
internamentos por complicações de aborto fora do quadro legal (1426 internamentos em
2004, 89 por cento por aborto incompleto ou retido, apenas 56 infecções e ausência de
mortalidade; dados da Direcção-Geral de Saúde). Foi-nos repetidamente perguntado se
queríamos "mandar as mulheres para a prisão". Contudo, as poucas mulheres julgadas
até hoje tinham todas abortado com mais de dez semanas de gravidez e daí não
resultaram penas de prisão. A eventual legalização do aborto até às dez semanas "por
opção da mulher" criminaliza-o a partir das dez semanas e um dia, pelo que estas
questões da humilhação, julgamento e eventual condenação se mantêm a partir daí.
A mãe deve ser compreendida e ajudada, mas não podemos desviar a nossa atenção da
outra vida em questão, a do feto, que, por ser frágil e indefesa, depende da nossa
protecção. Porque actualmente, passados mais de 20 anos, já não pode ser dito que o
feto não é vida, pois a ciência mostrou-o de um modo claro e comovente. Pode causar
surpresa a alguns, mas é hoje consensual entre a comunidade científica que, às dez
semanas (para aplicar o limite arbitrariamente proposto pelo actual referendo), o tal
"conjunto de células" se encontra organizado de um modo que é impossível não ser
reconhecido como um ser humano
Avanços recentes na cardiologia fetal mostram que o desenvolvimento do coração
ocorre entre as três e as seis semanas de gestação, e que por volta do 20.º dia este já
bate. Entre a 8.ª e a 9.ª semana, o coração está formado com as estruturas cardíacas,
ocupando já as posições e realizando as suas funções definitivas. Às dez semanas, o
coração do feto assemelha-se muito ao coração adulto, quer externa, quer internamente.
As mais delicadas estruturas cardíacas, como os milimétricos folhetos da válvula
aórtica, estão formadas e vão continuar a sua maturação e diferenciação. Às dez
semanas, a função circulatória está estabelecida e só vai alterar-se após o bebé nascer,
com a adaptação à respiração. O coração bate com regularidade e variabilidade, e a
complexidade das funções sistólica e diastólica é comparável à dos adultos.
Sem estigmatizar as grávidas, antes acolhendo-as e aos seus bebés, é nosso dever como
profissionais de saúde tornar as "barrigas transparentes", de modo a ajudar os
portugueses a compreender que lá dentro está uma pessoa, que, se tiver dez semanas de
gestação, tem um coração que bateu 870 vezes durante a leitura deste artigo.
José Diogo Ferreira Martins - Cardiologista pediátrico

Texto retirado do site do Movimento Não Obrigada

Sem comentários: