Tenho um problema.
Quando tento reflectir nos direitos dos embriões humanos, não consigo deixar de considerá-los como seres humanos, com tantos direitos, dignidade e merecendo ser protegidos, como qualquer recém-nascido. Apesar de estarem escondidos dentro da barriga da mãe e não os vermos, isso não invalida esta minha convicção. Como outros já disseram, e bem, “a não ser que possamos apontar um momento definido, na passagem da concepção até ao nascimento, que marque a emergência da pessoa humana (...) devemos encarar o embrião como tendo a mesma inviolabilidade que um ser humano completamente desenvolvido”1. Compreendo que nem todos pensem assim. Mas acho que tenho o direito de, pessoalmente, considerar o embrião humano como tendo os mesmos direitos, dignidade e inviolabilidade que qualquer outro ser humano. Espero que, mesmo os que não concordem com isto, me reconheçam o direito de pensar assim.
Mas pensar assim faz-me ter um problema.
É que, se eu penso assim, tenho que considerar qualquer aborto como um homicídio, por representar a morte propositada de um ser humano. É verdade que eu não vejo esse ser humano. É verdade que ele (ou ela) não se pode defender. Mas é um ser humano. E assim como não acho permissível que se mate um recém-nascido por ter uma doença incurável ou por a mãe não o poder (ou querer) criar, também não acho permissível a interrupção voluntária da gravidez em qualquer uma destas circunstâncias. Bem sei que isso permite a continuação de abortos em clandestinidade, com consequências graves para a saúde das mulheres, que os fazem em Espanha e em muitos outros países “desenvolvidos”, que há mulheres que acham que, por terem os embriões dentro de si, têm o direito de os eliminar. Mas gostaria que compreendessem isto: se eu acho que o embrião humano tem os mesmos direitos que um recém-nascido, não posso concordar que o matem, mesmo que isso sirva objectivos nobres, como evitar abortos clandestinos e situações socialmente complicadas.
Mas ainda tenho mais problemas.
É que, se eu penso assim, tenho que considerar como homicídio as técnicas de reprodução assistida que obrigam à produção de um número excedentário de embriões, que serão posteriormente eliminados... Eu sei que a vontade de ter um filho biológico é algo nobre e belo, e que ajudar um casal a cumprir essa vontade é um dos campos bonitos da medicina. Entendam que não tenho nada a opor às técnicas que não obrigam à eliminação de embriões. Mas as técnicas em que, à partida, obrigatoriamente, se vão produzir embriões em excesso (para aumentar as probabilidades de sucesso), para depois os eliminar, essas, para mim, em coerência com aquilo que afirmo no início, terão que ser homicídio.
E os meus problemas não acabam.
Agora, foi feita a descoberta que, usando células de embriões, que se colocam “em cultura” (destruindo os embriões que as originaram), poderá descobrir-se a cura para doenças tão importantes como a diabetes, o parkinson ou o alzheimer. Mas, pensando nisto, de novo sou obrigado a considerar estas técnicas como ... homicídios. Principalmente porque sei que há formas alternativas de estudar essas células, sem destruir embriões. Nos Estados Unidos, onde o presidente Bush não permite que se usem dinheiros federais para investigação nesta área, os cientistas estão todos muito zangados. Claro que o seu concorrente directo às próximas eleições, o Senador John Kerry aproveitou logo para dizer que, se for eleito, irá financiar investigação em que são produzidos embriões humanos com o único fim das suas células serem usadas para investigação médica (com consequente destruição dos embriões).
Os cientistas americanos são tão mais desenvolvidos do que nós! Até questionam uma lei de 1996 que proíbe o uso de fundos federais para “a criação de embrião ou embriões humanos para efeitos de investigação; ou ... investigação em que um embrião ou embriões humanos sejam destruídos, deitados fora ou propositadamente sujeitos a risco de lesão ou morte”2. Lendo e relendo esta lei, parece-me sempre que terá sido retirada de um filme futurista de ficção. Apesar de a lei não proibir a produção de embriões humanos para efeitos de investigação científica, mas apenas proibir o uso de dinheiros estatais para tal, é considerada retrógrada e, por isso, é agora posta em causa no país mais desenvolvido do mundo...
Tenho um problema.
Considero que um embrião humano, apesar de não se ver a olho nu, de depender do corpo da mãe e de não se poder defender, é um ser humano com tanto direito à vida como eu. Para ser coerente comigo próprio, tenho então que ser contra o aborto, certas técnicas de reprodução assistida e contra o uso de embriões humanos para investigação científica. Acho que os direitos de um ser humano não devem depender do “jeito” que nos dá ele não os ter... senão também dizíamos que os idosos, os deficientes profundos, os indigentes não tinham direitos (esperem lá, não havia alguém que, na 2ª guerra mundial, defendia isso mesmo?).
De acordo com alguns, nomeadamente o deputado do Bloco de Esquerda Francisco Louçã, isso faz de mim um hipócrita, fanático, medieval e anti-progresso.
Tenho um problema.
É que não percebo porque é que mereço esses adjectivos.
Tiago Tribolet de Abreu.
Médico, Assistente de Medicina Interna do Hospital do Espírito Santo-Évora.
Texto retirado do Blog do Movimento ALENTEJO PELO NÃO
Oh não, estou de volta !!!!!!!!!!!!!!!!!! Se forem mesmo masoquistas, visitem também: http://www.twitter.com/knoppixas
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